Expansão do Setor Elétrico: Investir para Economizar

O Setor Elétrico vive um momento inusitado em sua história. De 2012 até o presente momento (meados de 2014), suas despesas extraordinárias já somam cerca de 60% de sua receita anual, devidas à mobilização excepcional das usinas termelétricas e significativa exposição das concessionárias ao mercado de curto prazo, a preços elevados. Esses custos serão arcados pelos consumidores ou pelos contribuintes, ou ambos. O endividamento dessas empresas e a elevação dos níveis tarifários prejudicarão seu desempenho, bem como a competitividade de vários setores industriais.

Propõem-se aqui algumas medidas para evitar que essa situação se repita com tal intensidade, na medida em que as baixas afluências nas principais bacias hidrelétricas, ocorridas em 2014, são apenas parcialmente responsáveis por aquele consumo de combustíveis.

Enquanto no período que precedeu o racionamento iniciado em maio de 2001 os reservatórios foram deplecionados além da conta por falta de capacidade de geração e transmissão, no período recente, a causa inicial foi evitar o aumento da despesa com combustíveis e interrupções da operação em algumas linhas de transmissão de maior responsabilidade, ocasionando apagões. Em seguida, condições hidrológicas desfavoráveis, particularmente no corrente ano de 2014, exigiram elevada utilização das usinas termelétricas. Enquanto em 2001 o racionamento foi inevitável, por ora se pôde recorrer à significativa capacidade termelétrica, comparável ao crescimento da demanda nesses 13 anos.

Esses e outros problemas enfrentados pelo setor elétrico afastaram a operação do parque gerador do modo previsto em seu planejamento. Tipicamente, usinas que apesar de terem elevado custo de operação, foram consideradas no planejamento do parque gerador porque, em compensação, seu custo inicial e o montante de operação esperada eram baixos, na prática recente foram utilizadas muito mais intensamente do que previsto nas simulações realizadas nos estudos de planejamento.

No entanto, não se trata mais de evitar a geração térmica, como no passado, mas sim racionalizá-la. O sistema gerador brasileiro já é, decididamente, hidrotérmico, posto que desde 2012 sua carga supera a energia afluente e a expansão da capacidade de geração hidrelétrica assegurada dificilmente acompanhará a da demanda. O que se busca é reduzir a utilização de usinas cujo custo seja mais oneroso, visto que cerca da metade da capacidade termelétrica instalada apresenta custos de operação superiores a R$ 200/MWh.

Considerando que seja indispensável, para reduzir os custos médios de fornecimento de energia elétrica, que a operação do sistema seja compatível com as prioridades e critérios previstos no planejamento da expansão, sugere-se, dentre outras medidas, que se procure minimizar a operação de usinas que tenham custos elevados. Para tanto, propõe-se criar uma reserva de energia hidráulica, preservando parte da capacidade de armazenamento do sistema para situações excepcionais. Essa parcela poderia ser inicialmente da ordem de 2% do armazenamento total, que a valores de 2012 seria de 5846 MWmês ou 486 MWano. Esta seria a energia necessária para cobrir um déficit de 10% da carga do sistema, em algum mês, num período plurianual mais desfavorável, permitindo evitar os impactos mais graves da insuficiência de energia elétrica para atendimento ao mercado.

Essa reserva de energia seria utilizada exclusivamente na iminência de ocorrência de déficit, não estando disponível para otimização da operação e outros serviços de suporte ao sistema. Sua criação exigirá um investimento adicional, ou a contratação de suprimento, que compense, no caso, a redução de 486 MW de capacidade firme do sistema. Se essa produção for contratada a preços semelhantes aos dos últimos leilões, próximos a R$ 140/MWh, haveria um custo anual de R$ 600 milhões, enquanto que a utilização das usinas mais caras excederá essa despesa se seu fator de capacidade médio for de 40%, admitindo um custo de operação médio de R$ 350/MWh. Num ano de operação a plena carga, a despesa seria da ordem de R$ 1,5 bilhões.

As vantagens da criação dessa reserva seriam de diversas naturezas:

  • A geração adicional seria de custo competitivo.
  • Dispensaria a geração eventual, fora da ordem de mérito, frequentemente comandada pelo CMSE, por precaução que se sobrepõe aos critérios de segurança adotados no planejamento da expansão e da operação do sistema.
  • Reduziria a adoção de políticas aversão ao risco que demandem operação térmica adicional a custos mais elevados.
  • Embora os custos de geração passem a apresentar um piso mais elevado, deixarão de ter os picos que têm apresentado e, na média temporal, ficarão mais baixos.
  • Proporcionaria estabilidade de custos e, portanto, de preços, que é uma vantagem em relação à situação atual, pois permite que os consumidores tomem suas decisões de investimento e de produção com maior segurança.

  • A essência do planejamento do setor elétrico é compatibilizar os interesses dos seus múltiplos agentes, da expansão, operação e consumo. Essa tarefa será tão melhor sucedida quanto maior for a capacidade de avaliação das opções disponíveis e o respaldo governamental para que preserve a prioridade da eficiência e racionalidade econômica na tomada de decisões. Portanto, não se pode deixar de reavaliar as condições institucionais de duas fontes energéticas que poderão aportar importante contribuição para a geração de energia elétrica a curto e médio prazo e que perderam espaço na expansão nos anos recentes: a biomassa de cana-de-açúcar e o gás natural.

    A geração a partir do gás natural, que parece, com base na experiência e nas projeções internacionais, a fonte de base térmica mais adequada, depende de que se desvincule sua estrutura de custo daquela dos derivados de petróleo de forma a viabilizar o aumento da sua oferta a custos competitivos.

    A geração de energia elétrica a partir da biomassa de cana-de-açúcar, principalmente no contexto de um aumento da participação do etanol dentre os combustíveis líquidos, pode aumentar a eficiência energética da economia brasileira, desde que executada com atenção aos requisitos de competitividade, em condições de igualdade com derivados de petróleo e sem carga fiscal e regulatória adicional.

    Autores: Pietro Erber, diretor do Instituto Nacional de Eficiência Energética e Marco Aurélio Palhas de Carvalho, engenheiro, membro do COnselho Consultivo do INEE
    11/08/2014

    [Fonte: INEE]


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