Pietro Erber, do INEE: Inserção de Fontes Intermitentes no Futuro Quadro Energético

Quando se procura vislumbrar a evolução do balanço energético brasileiro, mesmo num horizonte de pouco mais de dez anos, alguns elementos parecem bastante seguros para que se comece a delinear uma política que permita coordenar suas possíveis contribuições de forma eficiente, tal que proporcione ao país segurança energética, sustentabilidade socioambiental e competitividade econômica.

A expansão da geração hidrelétrica será, provavelmente, mais limitada do que na última década, em vista das restrições ao alagamento de terras e das distâncias dos aproveitamentos mais expressivos em relação aos centros de carga. Por outro lado, os preços da geração eólica e solar fotovoltaica vêm incentivando sua expansão, que deverá continuar a apresentar taxas de crescimento elevadas. Além dessas fontes quase que exclusivamente destinadas à geração de energia elétrica, a biomassa e o gás natural, principalmente, também deverão contribuir consideravelmente para a geração de energia elétrica.

A inserção dessas fontes de energia no quadro energético nacional deve inicialmente levar em conta a diversidade de suas naturezas: sazonalidade de hidrelétricas sem reservatórios, sobretudo aquelas da Amazônia, e de biomassas cuja oferta esteja associada a períodos de safra; intermitência e sazonalidade das energias solar e eólica e baixa flexibilidade da oferta de gás natural associado à produção de petróleo, que deverá ser predominante, secundado pelo GNL importado.

Esse conjunto quase completo dos componentes da oferta de energia primária apresenta custos diretos e sobretudo externalidades bastante diferenciados, que num contexto de prioridade para que se evite a geração de fatores de mudança climática deverão passar a influenciar significativamente a política energética.

Um aspecto que vem sendo bastante discutido é a intermitência da geração a partir de ventos e da irradiação solar, responsável por custos sistêmicos como do aumento de reserva girante e de outros recursos para evitar instabilidades do sistema interligado, além de prejuízos à sua operação mais eficiente. Em certa medida, os reservatórios hidráulicos já atendem às interrupções de suprimento dessas fontes. No entanto, com sua expansão, essa utilização dos reservatórios poderá prejudicar a geração hidrelétrica com a qual se conta e venha a contar.

Embora se possa atender o mercado mediante geração a gás natural nos períodos nos quais fontes intermitentes não estejam disponíveis, esta não se afigura como a melhor opção, pois leva intermitência para o emprego de outra fonte, que pode ser utilizada de forma mais eficiente e ambientalmente menos desfavorável. Entende-se que o preço do gás natural seja muito influenciado pelas condições de sua produção e também de seu transporte. Quanto mais constante for seu suprimento, menor tende a ficar seu valor unitário. Por outro lado, o funcionamento de usinas a gás natural com elevado fator de capacidade, na base da curva de carga do sistema justifica instalações de alta eficiência. Esses dois elementos são fundamentais para que a energia gerada a partir do gás natural seja mais barata e que se reduza o impacto ambiental de sua utilização, em termos de toneladas de CO2 por kWh gerado.

O mesmo pode ser recomendado em relação ao emprego da biomassa florestal, talvez a única fonte primária renovável não sujeita a sazonalidade ou intermitência. Sua utilização para gerar energia elétrica não deve ser intermitente, inclusive para não prejudicar ou encarecer seus equipamentos, particularmente as caldeiras.

Dado que a geração intermitente não garante oferta de potência, mas pode assegurar fornecimento mínimo de energia com elevada probabilidade em termos mensais ou anuais, é justamente esta que interessa para o atendimento do mercado. Todavia, para aproveitá-la, é preciso ou consumi-la quando é gerada ou armazená-la nos reservatórios do sistema interligado ou noutras estruturas, pois aquelas energias primárias não são passíveis de armazenamento. Essa operação dos reservatórios, como se observou, apresentará cada vez maiores limitações à medida que o porte do parque eólico e solar aumente, conforme previsto.

A solução natural, próxima do mercado ou daqueles geradores, é o armazenamento de parte da energia gerada, para utilizá-la nos períodos em que diminua a disponibilidade de vento ou sol. Há diversas tecnologias para tanto, influenciadas pelo volume de armazenamento necessário, tempo de sua utilização, condições locais, perspectivas de mercado etc. A relação entre a energia acumulada e a potência do acumulador, medida em minutos ou horas de geração constitui característica da função do acumulador. Os mais relevantes são baterias e usinas hidrelétricas reversíveis ou de acumulação por bombeamento (UHR). Baterias de elevada capacidade de acumulação estão tendo rápido desenvolvimento mas ainda apresentam custos elevados em termos de R$/kWh que podem armazenar. UHR constituem uma tecnologia centenária e representam cerca de 13% da potência hidrelétrica mundial instalada. Há forte expansão da capacidade de UHR, sobretudo na China, justamente em virtude da concomitante expansão da geração eólica e solar naquele país.

UHRs apresentam a vantagem de baixo impacto ambiental, pois seus reservatórios são relativamente pequenos, sobretudo se tiverem altura de queda útil elevada, e eventualmente podem usar o mar ou lago já existente como reservatório inferior. A inércia de suas máquinas também pode contribuir para a estabilidade do sistema, enquanto o mesmo não é proporcionado por baterias. A capacidade instalada das baterias ou UHR não precisaria ser igual à das usinas eólicas ou solares cuja geração deverão regularizar, pois apenas parte desta seria armazenada. Quanto às perdas, seja das baterias seja das UHRs, não há diferenças significativas, no entorno de 20%.

O Brasil apresenta condições particularmente favoráveis à construção de UHRs, pois ao longo de boa parte de sua costa oriental, na Serra do Mar, há grande número de locais já inventariados há décadas, por iniciativa da Eletrobrás, e outros poderão ser identificados. Prevê-se que a implantação dessas usinas constitua um mercado relevante para empresas de construção civil e fabricantes de equipamentos hidrelétricos, particularmente num contexto de significativa dificuldade para a expansão hidrelétrica convencional.

De imediato, é necessário que a ANEEL regulamente os procedimentos destinados à autorização de implantação e de remuneração de UHRs. Questões como “que entidades poderão explorar UHRs?” ou “distribuidoras podem ter UHRs, apesar de não poderem ter geração própria, já que elas constituem cargas, em termos líquidos” carecem de resposta. Possivelmente empresas que exploram fontes intermitentes terão interesse em contar com sistemas de acumulação, para valorizar sua energia, desde que tenham de pagar o custo de inserção de sua energia intermitente mediante outras vias. Outra possibilidade será que empresas hidrelétricas que contem com pouco armazenamento próprio tenham interesse em UHRs para aproveitar energias intermitentes em momentos de menor demanda e oferecê-la em horas de maior demanda e preços.

Finalmente observa-se que a mitigação da intermitência vem sendo buscada mediante o aproveitamento da flexibilidade da demanda de alguns grandes consumidores, que podem reduzi-la em momentos de falta de vento ou insolação. Dependendo da natureza de sua atividade, essa redução aceitável pode ser estendida por minutos ou mesmo horas, de modo que a realização de um inventário desses consumidores afigura-se oportuna.

Pietro Erber é diretor do INEE
29/03/2021

[Fonte: INEE]


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