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Memorial da América Latina
São Paulo, SP
8 a 9 de maio de 2007
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BIOENERGIAS: COMO E PORQUE - Documento provocativo

O presente documento foi preparado pelos organizadores do Seminário "Bioenergia na América do Sul: Oportunidades e Desafios em P&D&I visando provocar uma discussão e reflexão dos participantes sobre temas que a experiência brasileira mostra serem importantes para viabilizar o uso de biomassa energética de modo competitivo e sustentável.

Um quarto da energia primária usada no Brasil provém de biomassas exploradas comercialmente, em competição com outras fontes de energia, situação única no mundo. Na matriz de fontes e usos do país coexistem distintas cadeias bioenergéticas como a do etanol de cana de açúcar, que alcança toda a frota de veículos leves (como álcool puro ou em mistura com gasolina) e a do carvão vegetal obtido a partir de madeira cultivada, que responde por uma parte apreciável da produção siderúrgica brasileira.

Os principais sistemas bioenergéticos foram desenvolvidos com finalidades, dinâmicas e histórias diferentes e apresentam diversas situações, em especial quanto ao setor agrícola e ao mercado energético. Em alguns casos, os cultivos são especificamente destinados à produção de combustíveis; em outros, apenas os resíduos de biomassa são aproveitados para fins energéticos.

Biomassas como a cana, destinada à produção de álcool, e a soja, mamona, dendê, pinhão bravo e outras oleaginosas, a partir das quais pode-se obter biodiesel, podem ser cultivadas para constituírem fontes primarias da produção de combustíveis líquidos substitutivos da gasolina ou do óleo diesel, o que facilita sua assimilação pelo mercado organizado para a comercialização desses derivados de petróleo, além de facilitar o aproveitamento da logística já existente para sua distribuição. A utilização da maioria dessas fontes de combustíveis líquidos leva, todavia, à produção secundária de apreciáveis quantidades de biomassa que no passado eram comumente consideradas rejeitos mas que, cada vez mais, graças ao progresso tecnológico, a condições comerciais e a mecanismos institucionais, vem sendo aproveitadas como fontes de energia. Essas biomassas secundárias podem ser produzidas em quantidades que excedam as necessidades ou as possibilidades de seu aproveitamento pelas instalações de processamento das biomassas originais e, portanto, podem ser vendidas a terceiros, inclusive sob forma de calor ou de energia elétrica.

A utilização, para fins energéticos, de biomassas tais como a lenha (biomassas de ciclo longo) ou de gramíneas (biomassas de ciclo curto) empregadas diretamente para produzir calor ou, indiretamente, na forma de carvão vegetal ou de combustíveis sintéticos, eventualmente produzem resíduos que podem ser aproveitados com a mesma finalidade, como cavacos aglomerados, finos de carvão vegetal, etc.

As mesmas biomassas secundárias mencionadas acima, como aquelas provenientes da cana ou de árvores são obtidas quando essas plantas são empregadas, primariamente, para obter produtos não energéticos, como o açúcar e a celulose. Essas biomassas secundárias podem e geralmente deveriam ser aproveitadas para produzir calor e, eventualmente, energia elétrica, aumentando assim a eficiência e a competitividade dessas indústrias.

A mesma classificação poderia ser empregada do ponto de vista do produto final, ou seja: 1) biocombustíveis primários, produzidos a partir de cultivos agrícolas, como etanol de cana, explorados tendo como finalidade específica a sua obtenção; 2) biocombustíveis secundários, produzidos em decorrência do processamento de produtos agrícolas para outros fins, energéticos ou não, como, por exemplo, o bagaço de cana ou o licor negro e 3) biocombustíveis recuperados, como lixo urbano.

Concluindo, além dos conceitos envolvidos nessa ou em outras classificações possíveis, é relevante considerar as relações de sinergia que, na maioria dos casos, se apresenta entre o produto principal da biomassa colhida, que foi o que motivou seu plantio, e os subprodutos energéticos decorrentes do processamento dessa biomassa. A associação desses produtos, primários e secundários, geralmente proporciona significativas economias, ganhos de produtividade e de competitividade do produto principal. É o caso da biomassa obtida na produção de etanol a partir da cana, que dispensa a aquisição de outras fontes de energia pelas usinas sucro-alcooleiras.

Vale lembrar que esta auto-suficiência da indústria sucro-alcooleira é bastante recente, sendo que no passado a produção de açúcar era totalmente dependente da lenha, geralmente obtida a partir de matas nativas. Como relata Antonil, ainda no início do século XVIII, a primeira crise energética brasileira estava em curso, em vista da quantidade de engenhos que eram abandonados por falta de lenha para abastecê-los.

Experiência no emprego da biomassa

O uso da biomassa para fins energéticos que será focalizada no Seminário começa nos anos 70 quando se procurou superar a deficiência de oferta de derivados de petróleo mediante iniciativas como a produção de etanol de cana no Brasil, que evoluiu de modo notável e atualmente se mostra competitiva com a gasolina e com os oxigenantes de origem fóssil. Menos desenvolvidas têm sido as alternativas envolvendo biocombustíveis sólidos, cujo uso define, pelas tecnologias empregadas e pela amplitude das suas aplicações, etapas importantes da civilização . No Brasil a queima direta da madeira e/ou de resíduos é importante na indústria cerâmica, de alimentos e de papel e celulose. É particularmente relevante seu uso sob forma de carvão vegetal, para produzir aço, ferro-gusa e ferro-ligas, prática abandonada no resto do mundo a partir do século XIX.

Boa insolação e tecnologia avançada são condições necessárias, mas não suficientes, para garantir a produção de biomassa energética em bases econômicas sustentáveis. Apesar da forte dependência dessas fontes de energia, o Brasil ainda carece de aperfeiçoamentos que proporcionem, em especial para a lenha e seus subprodutos, um modelo de exploração e uso da biomassa dotado da robustez necessária para enfrentar as variações e exigências do mercado. Um dado importante da experiência brasileira é que, com exceção da indústria de papel e celulose, a eficiência das transformações energéticas realizadas, desde as plantações até o uso da energia útil, estão muito aquém dos potenciais teóricos. Adicionalmente, em alguns casos verificam-se custos ambientais e sociais elevados.

Os cientistas e técnicos reunidos no Seminário encontrarão, assim, ocasião muito propícia para discutir os diversos temas específicos desta cadeia produtiva, desde o plantio e a colheita da biomassa, suas transformações e o uso final da energia. Dado que pesquisas sobre o tema ficaram praticamente abandonadas pelas economias avançadas, pois para a sua maioria os custos de produção de biomassa eram elevados , há amplo espaço para trabalhar novas soluções, reduzir custos e aumentar a competitividade das biomassas como fontes de energia. Avanços importantes podem ocorrer rapidamente, pois é possível que conhecimentos já testados em outras áreas sejam aplicáveis a um tema que está estagnado há muito tempo.

A experiência vivida no Brasil traz ensinamentos sobre aspectos positivos mas, talvez mais importante, também acumula experiências negativas. Embora a discussão de alguns temas fuja dos objetivos imediatos do Seminário, é importante conhecê-los e debatê-los como um pano de fundo para a orientação dos trabalhos de pesquisa que serão muito condicionados às políticas energéticas dos diversos países. Com este propósito, os organizadores do Seminário selecionaram alguns aspectos como ponto de partida para uma reflexão dos participantes e para contribuir para o avanço da política da produção e emprego da biomassa para fins energéticos.

Uma grande diversidade de vegetais pode ser utilizada para produzir álcool ou biodiesel. A questão é saber quais são, em cada caso, os mais apropriados. Nesse sentido, um aspecto fundamental é o balanço econômico e energético da cadeia produtiva. Como um exemplo positivo, a cana de açúcar, além da sacarose, apresenta uma boa disponibilidade de resíduos ligno-celulósicos - bagaço e palhas - que permitem produzir o calor necessário para o acionamento das instalações fabris e para a destilação do álcool. O milho, enquanto matéria prima para obtenção de álcool, é menos atraente, por requerer energia exógena, geralmente fóssil, equivalente a 80% da energia do álcool produzido. Na produção de álcool a partir da cana esse insumo é da ordem de 8% do conteúdo energético resultante .

Decisões sobre o assunto são às vezes mais emotivas que racionais, mais baseadas em generalizações do que em elementos que reflitam condições específicas. Na esteira do PROÁLCOOL, por exemplo, o Brasil teve experiências fracassadas - etanol da mandioca e metanol da madeira. Atualmente vive-se a febre do biodiesel sem que exista um critério a priori que indique a via mais apropriada, o que pode acarretar alguns problemas à frente. Muitas vezes decisões sobre estes temas reúnem, de um lado, cientistas ou empresários apaixonados e interesses por uma tecnologia e/ou fonte vegetal específica e, de outro, políticos ávidos por projetos de grande visibilidade. Discutir de forma aberta temas como

Neste contexto, a expressão "energia alternativa", que não tem significado objetivo, pode se apresentar como salvo-conduto para soluções discutíveis. Embora subsídios temporários possam, eventualmente, ser justificados, como quando se trata de uma indústria nascente ou de uma tecnologia nova, há opções que não encontram justificativa, sobretudo em países pobres e carentes de capital.

Economias de escopo

O desenvolvimento de uma cadeia bioenergética, a partir de um determinado cultivo, tem normalmente visado uma forma específica de energia e, normalmente, pouca atenção é dada a outros efeitos econômicos associados.

A demanda mundial de proteínas vegetais, por exemplo, é um elemento de apoio ao desenvolvimento da agroenergia. São exemplos a produção de levedura, subproduto da fabricação do álcool, do farelo de soja, torta de algodão etc. que alavancam a produção das respectivas bioenergias. Outro exemplo importante no Brasil foi o ganho de produtividade na fabricação de açúcar, alavancado pelo programa do álcool, que tinha exigências industriais mais rígidas.

Por outro lado, como a política do álcool limitou o uso energético da cana apenas à substituição da gasolina, inibiu a venda de energia elétrica para o sistema público . A miopia desta abordagem condenou a indústria da cana a uma ineficiência estrutural por dezenas de anos e impediu o país o acesso a uma energia elétrica de baixo custo. Só recentemente a produção e venda de excedentes de energia elétrica começa a ser considerada com o destaque economicamente cabível.

Política de biomassa

Até os anos 70, a biomassa teve papel residual na área energética, exceto em parte da siderurgia, que a utilizava sob forma de carvão. Já o Programa do Álcool, motivado pelas crises do petróleo, quando o Brasil importava 85% das suas necessidades e tinha sérios problemas de balança cambial, teve como justificativa a redução dessa dependência externa, embora seu custo fosse inicialmente superior ao da gasolina que substituía. Quando os preços do petróleo caíram, o Programa só não foi extinto, face à falta de uma perspectiva de longo prazo, devido ao aumento da produtividade do setor sucro-alcooleiro, ao aumento dos preços do petróleo, à introdução dos carros flex e à ampliação da demanda externa.

O carvão vegetal ainda não tem uma política. Embora derive de 10% da energia primária do país, substitua o carvão mineral e seja insumo de uma indústria que exporta US$ 1,6 bilhões, seu comércio é primitivo, não há normas sobre suas características energéticas e físicas (Kcal/kg; % carbono fixo; % cinzas, densidade, etc) e procedência, o que facilita o uso ilegal de madeira nativa e inibe o plantio e o aperfeiçoamento tecnológico das indústrias

Em suma, a definição de uma política para o emprego da biomassa, quer para fins energéticos, quer para outras finalidades, como a alimentar ou a agro-industrial, deveria constituir objetivo da maior prioridade. E esta definição remete à dos usos da terra, segundo suas vocações, diferenciadas regionalmente e influenciadas pela tecnologia. Observa-se portanto que uma abordagem consistente do problema do uso energético da biomassa requer um enfoque abrangente e complexo, que necessariamente deverá refletir as prioridades da política econômico-social do país.

O aproveitamento energético da biomassa tem uma correlação forte com a insolação, o que proporciona uma vantagem competitiva, em maior ou menor grau, para todos os países da América Latina. De um modo geral, a densidade populacional desses países e a necessidade de produzir alimentos não constituem entraves tão importantes ao cultivo de biomassa para fins energéticos quanto ocorre na maioria dos países mais desenvolvidas, os quais geralmente não apresentam níveis de insolação tão favoráveis quanto a maior parte da América Latina. Portanto, é natural que aqueles países não tenham dedicado muita atenção ao desenvolvimento e pesquisa sobre a produção e uso da biomassa para fins energéticos. Em casos específicos como a indústria de papel e celulose, emprega rejeitos de cogeração, desenvolveu tecnologias e mantém elevado nível de exigência quanto à eficiência global do processo, para ser competitiva.

O avanço da tecnologia da cana no Brasil foi uma exceção importante que se manteve porque houve investimento em tecnologia e a produtividade cresceu mais de 3% aa. Vale lembrar que poucos anos antes do PROÁLCOOL, as usinas de açúcar, por falta de tecnologia para queimar os resíduos combustíveis do processo, usavam óleo ou madeira (geralmente de desmatamento) para produzir a energia térmica que usavam.

Os avanços em biomassa poderiam ser maiores, em particular no uso de madeira e no carvoejamento onde as tecnologias ainda são muito primitivas. Nos anos 90, a CHESF - Companhia Hidrelétrica do São Francisco projetou um protótipo de usina termelétrica (32 MW) usando gás obtido a partir da biomassa de madeira. Apesar de se ter constatado a viabilidade técnica e econômica e se ter assegurado o suprimento de biomassa, o projeto, que contava com uma doação de US$50 milhões do GEF - "Global Environmental Facilities" foi abortado, por falta de percepção de sua importância inovadora.

Pesquisa sobre biomassa energética

Hábitos de mimetismo cultural e dependência tecnológica levaram os países tropicais a excluir de seus planos de desenvolvimento a biomassa energética, considerada uma alternativa ultrapassada, subdesenvolvida e sem perspectivas.

Dada a possibilidade de se desenvolver, no Brasil e em outras regiões com características edafoclimáticas semelhantes, a produção de biomassa para fins energéticos, caberia inicialmente um trabalho de sistematização das pesquisas realizadas. Percebe-se que a informação disponível apresenta-se dispersa, por ter sido produzida em momentos e com finalidades diferenciadas, voltada para diferentes cadeias de produção, com destaque para a cana de açúcar/álcool, lenha/carvão vegetal e lenha/calor.

Por outro lado, embora seja evidente que a intensificação das pesquisas dessa natureza seja indispensável, esta carece de um planejamento, ou seja, da definição de prioridades e de criteriosa seleção de projetos e de ordenação de sua realização, para que não se desperdicem recursos que certamente serão escassos. Vale observar que trata-se de matéria que interessa particularmente a países em desenvolvimento e que terá menos interesse para países industrializados.

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