Pietro Erber, do INEE: Risco Hidrológico e Geração Distribuída?

A lei de conversão da MP 688 (Lei N° 13.203, de 8 de dezembro de 2015) destinada à repactuação do risco hidrológico, procura superar problemas de grande relevância e complexidade, além de urgência, relacionados ao fluxo de pagamentos de compras e vendas no mercado de curto prazo, geridos pela CCEE – Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. A inadimplência que se procura equacionar atinge dezenas de bilhões de reais. A própria CCEE deve cerca de R$ 18 bilhões a bancos estatais e privados, excepcionalmente levantados para evitar a inadimplência das concessionárias de serviços de distribuição de energia.

Em sua tramitação no Congresso, o projeto de lei sofreu a inserção do tema geração distribuída - GD, que nada tem a ver com a matéria da MP 688. Aparentemente, tal fato denota interesse em aproveitar a urgência que aquela matéria apresenta. No entanto, a geração distribuída e, em particular, sua comercialização, constitui tema suficientemente importante, multifacetado e atual para merecer legislação específica, discutida mais detidamente.

Desde sua regulamentação, em 2004, a comercialização da GD foi pautada pela defesa do interesse dos consumidores, limitando-se o repasse do custo de sua aquisição pelas distribuidoras, a seus consumidores, a um valor unitário (VR) igual à média dos preços da energia adquirida pelas mesmas nos últimos leilões. Basicamente, um valor próximo ao custo de expansão da oferta. Dessa forma, para os consumidores é praticamente indiferente se a concessionária adquire a energia nos leilões ou de GD.

Embora adequado para efeito de contratação de GD em longo prazo, esse critério impede a compra de GD em situações nas quais o custo de operação do sistema esteja acima do VR, ou seja, se as distribuidoras estiverem comprando energia pelo PLD e este estiver acima do VR. Nesse caso, se algumas unidades de GD puderem vender energia às distribuidoras a um preço inferior ao PLD, beneficiarão os consumidores e poderão reduzir os custos e riscos de suprimento do SIN. Nesse caso, essa compra de energia de GD poderia ser custeada pelos Encargos do Sistema, através da CCEE, a critério da ANEEL.

Em face do valor do PLD, as distribuidoras, mesmo plenamente contratadas, poderiam buscar GD para substituir, ainda que temporariamente, mas com vantagem para os Encargos do Sistema, a energia do SIN.

A Lei N° 13.203 não prevê essa flexibilidade, que permitiria maior aproveitamento da GD em situações em que o custo de operação esteja acima daquele de expansão. Por outro lado, inova ao condicionar o repasse ao maior de dois valores: o VR anteriormente definido e o VRES, específico para a fonte primária em que se baseie a GD a ser adquirida. Assim, a vinculação do valor de repasse ao custo de expansão do sistema interligado depende dos valores que a EPE propuser e a ANEEL aprovar para o aproveitamento de fontes primárias renováveis, ditas alternativas. Será oportuno que a eventual diferença entre os VRES e o VR seja limitada ao valor das perdas de transporte evitadas pela GD contratada. De outra forma, cria-se a possibilidade de onerar os consumidores e de deixar de estimular a competitividade dos agentes de GD.

Certamente há interesse do país e da sociedade em que sejam aproveitadas as fontes renováveis, bem como interessa à sua eficiência e competitividade que os custos de fornecimento de energia sejam módicos. Cabe, todavia, definir as responsabilidades conforme os objetivos prioritários dos agentes, a sociedade representada pelo estado, de um lado, e os consumidores, de outro. A estes interessam principalmente a qualidade e o custo do fornecimento, não necessariamente nesta ordem. À sociedade interessa a sustentabilidade da oferta de energia, sua acessibilidade e segurança.

Parece portanto questionável que, mais uma vez, se possa vir a penalizar os consumidores para obter resultados que podem lhes interessar como cidadãos, mas não como consumidores. E como cidadãos já pagam ao estado para que implemente as políticas de interesse do país.

Em suma, a política de comercialização da GD merece uma discussão aprofundada, com a participação dos principais interessados. Sua inserção imprevista no projeto de lei de conversão da MP 688, se não é um jabuti, é um quelônio arbóreo. E apressado.

Pietro Erber é diretor do INEE

18/01/2016


[Fonte: INEE]


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