Aumentando a Eficiência do Uso do Etanol
Há quase quarenta anos, para reduzir a importação de petróleo e derivados, o Brasil iniciou duas importantes mudanças no mercado de combustíveis líquidos ao empregar o etanol 1) como aditivo da gasolina e 2) como combustível substituto da gasolina. O uso como aditivo renovável para aumentar a octanagem da gasolina é hoje adotado em cerca de trinta países.
Como substituto da gasolina, o etanol passou por duas fases no Brasil. Na primeira, os motores foram adaptados para o uso exclusivo de etanol hidratado (etanol com 5% de água). Com mais potência e eficiência que os equivalentes a gasolina, foram bem aceitos pelos consumidores que compraram milhões de carros ao longo de dez anos. A concorrência levou as montadoras a aperfeiçoarem a tecnologia, e o desempenho energético (MJ/km) do carro a etanol chegou a superar em 15% o de carros similares a gasolina. Ao final da década de 1980, mais de 90% dos carros novos vendidos no país eram a etanol. Entretanto, no começo dos anos 90, por diversas razões, notadamente a queda dos preços do petróleo, as vendas caíram rapidamente, até desaparecerem.
A segunda fase se caracteriza pelo uso do carro “flex”, que usa etanol ou gasolina. A tecnologia foi desenvolvida nos EUA, nos anos 90, estimulada por incentivos fiscais para carros a etanol E85 (etanol anidro com 15% de gasolina), criados por razões ambientais. Como a composição da gasolina e as regras de emissões variam de país para país, os controles dos motores têm razoável flexibilidade e foram programados para aceitar também o etanol. A indústria adaptou o flex às condições brasileiras, pois era pressionada para oferecer carros a etanol quando este voltou a ficar muito competitivo com a gasolina, na virada do século.
A evolução da gasolina e das tecnologias de motores nas três últimas décadas dificulta comparar a eficiência dos flex atuais com os antigos carros a etanol. Medições do consumo de combustíveis pelo INMETRO dão conta, porém, que a maioria dos modelos flex, ao utilizarem EH, tem desempenho energético (MJ/km) menor do que o observado quando usam gasolina. Isto porque são equipados com motores a gasolina que permitem o uso de etanol, porém sem aproveitar suas características, mais favoráveis do que as da gasolina, o que ensejaria que eficiências mais elevadas fossem alcançadas.
Hoje há cerca de 30 milhões de carros, a maioria no Brasil e EUA, além dos que circulam na Austrália e Suécia. Fora do Brasil, os pontos de abastecimento de etanol (E85) ainda são escassos. A maioria dos proprietários de carros flex nos EUA desconhece que seus carros podem ser abastecidos com etanol enquanto no Brasil o carro flex é uma exigência do mercado. À medida que a rede de distribuição for ampliada, certamente vai aumentar a demanda por carros a etanol mais eficientes.
Para avaliar a possibilidade de aumentar a eficiência no uso veicular do EH no Brasil, o Instituto Nacional de Eficiência Energética - INEE organizou, em novembro de 2013, um workshop com especialistas em acionamento veicular e representantes dos principais setores envolvidos com o tema.
O evento evidenciou a viabilidade técnica de aumentar a eficiência do uso do EH mediante tecnologias dominadas, tanto em carros flex quanto naqueles movidos exclusivamente a etanol. Este pode ainda substituir competitivamente o óleo diesel, em circunstâncias especiais. Além disso, tecnologias como os turbos e a injeção direta, que contribuem para aumentar o desempenho dos motores a etanol, são dominadas e tendem a baratear.
Ficou claro, por outro lado, que mantidas as diretrizes de governo (INOVAR Auto) e a atual visão da indústria, o desempenho energético do etanol ficará sempre abaixo, ou no máximo igual ao observado no uso da gasolina.
Desconsiderar a vantagem competitiva do etanol prejudica todos os agentes da cadeia energética da cana, com reflexos significativos para o país, que tem sua balança de pagamentos afetada, o nível de emissões aumentado e postos de trabalho reduzidos. Perdem os consumidores, por serem levados a consumir mais combustível do que o necessário. Perde a agroindústria da cana, que tem seus resultados reduzidos, mercê da política anti-inflacionária que não reajusta o preço da gasolina. Perdem, finalmente, os fabricantes de veículos que deixam de trabalhar um nicho de mercado potencial, da ordem de 1 milhão de veículos/ano que já consomem preferencialmente o etanol.
Aumentar a eficiência no uso do etanol é, portanto, uma estratégia que só tem ganhadores. A permanência de baixos níveis de eficiência decorre do falso conceito de que o etanol é intrinsicamente menos eficiente por ter uma densidade energética menor do que a da gasolina e por seu uso automotivo ser uma solução brasileira. Essa desinformação sobre o potencial de aumento de eficiência no uso do EH influencia diretrizes de governo, decisões de montadoras e do próprio setor de cana que tendem a se conformar com o status quo.
O momento para avançar no tema é particularmente oportuno. Ao contrário do que ocorria no passado, o Brasil não é mais um solitário produtor de etanol em larga escala. Atualmente responde por cerca de um quarto da produção mundial; o aumento das exportações e a diversificação de produtores tornam o combustível uma “commodity” o que reduz os riscos de desabastecimento e poderá contribuir para estabilizar seus preços. O país pode voltar a liderar o tema, pois tem um mercado potencial suficientemente grande para absorver novidades e tem ampla rede de distribuição de etanol já instalada. Para tanto, é importante que as instituições mais diretamente interessadas no desenvolvimento do uso automotivo eficiente do etanol trabalhem para que isto aconteça. A indústria, quando perceber a existência de uma demanda reagirá prontamente, como no passado, apresentando soluções.
Para dar um passo nessa direção, o INEE criou o PrEE – Programa do Etanol Eficiente com o objetivo de desconstruir os preconceitos e estimular a demonstração de que o uso do etanol, mediante equipamentos apropriados, além de apresentar grandes vantagens ambientais, proporcionará maiores vantagens econômicas para o país.
Autor: Jayme Buarque de Hollanda, Diretor Geral do INEE e gerente do PrEE - Programa Etanol Eficiente
13/10/2014
[Fonte: INEE]
Leia também
Edson Szyszka, do INEE: Eficiência Energética na Indústria
Nos países membros da IEA (International Energy Agency), entre os anos de 1974-2010, a energia total recuperada por ações de EE foi maior que a energia total comprada de qualquer outra fonte, inclu...
Leia mais...
Jayme Buarque, do INEE: Sankey Energia, Fonte Ao Uso, Brasil 2019
Em sua colaboração com a EPE, possivelmente a principal contribuição do INEE tenha sido mostrar a importância de apresentar o balanço energético anual, em forma de tabela, conforme o BEN, num conju...
Leia mais...
Pietro Erber, do INEE: Inserção de Fontes Intermitentes no Futuro Quadro Energético
Quando se procura vislumbrar a evolução do balanço energético brasileiro, mesmo num horizonte de pouco mais de dez anos, alguns elementos parecem bastante seguros para que se comece a delinear uma ...
Leia mais...
Pietro Erber, do INEE: 0 Setor Elétrico e a Privatização da Eletrobrás
É possível que a Eletrobrás venha a ser privatizada, mediante redução da participação da União em seu capital votante. Previamente, porém, dadas as relevantes questões impostas ao setor elétrico e ...
Leia mais...
Pietro Erber, do INEE: Nova Matriz Energética - Armazenamento de Energia
Nas duas últimas décadas, a estrutura da capacidade geradora sofreu alterações significativas, com o aproveitamento de expressivos potenciais hidrelétricos da Amazônia adotados de escasso armazenam...
Leia mais...
Pietro Erber, do INEE: Mercado de Etanol e Política Energética
A extraordinária queda das cotações internacionais do petróleo levou à redução dos preços da gasolina, enquanto as crises, sanitária e econômica, causavam forte diminuição da demanda por combustíve...
Leia mais...
Pietro Erber, do INEE: Geração Distribuída, desafios e oportunidades
Para evitar o consumo de combustíveis fósseis e reduzir custos, o setor elétrico precisa utilizar fontes renováveis, sazonais ou intermitentes, como a solar e a eólica, ainda pouco aproveitadas. Su...
Leia mais...
Pietro Erber e Marcos José Marques, do INEE: Eficiência Energética, uma busca permanente
A eficiência energética é condição fundamental para a competitividade econômica e para o atendimento dos compromissos ambientais e sociais. Em vários países, os resultados alcançados recentemente t...
Leia mais...
Pietro Erber, do INEE: Questões do Modelo do Setor Elétrico
O setor elétrico brasileiro enfrenta uma crise grave e complexa. Tal qual no início dos anos 1990, observa-se perda de remuneração em muitas
empresas, contestação de cobranças pelo suprimento de...
Leia mais...
Lançamento do Portal Brasileiro de Indicadores de Eficiência Energética - PBIEE
O evento será realizado no dia 18 de junho de 2019 na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Campinas, São Paulo. Organizado e
promovido pela International Energy Initiative - IEI Brasi...
Leia mais...
Jayme Buarque, do INEE: Por um uso mais verde do etanol
Quando o preço do petróleo quadruplicou no início do século, a demanda por carros a etanol aumentou muito no Brasil, pois o combustível
renovável ficou bem mais competitivo que a gasolina.
<...
Leia mais...
INEE divulga o Relatório de Atividades de 2018
Em 2018, o INEE continuou a desenvolver suas atividades através das ações
resumidas em seu Relatório abaixo. Desde que foi criado, foi o primeiro ano em que não organizou um evento
para discutir...
Leia mais...
Pietro Erber, do INEE: Renda Hidrelétrica
Usinas hidrelétricas têm, normalmente, vida útil bem mais longa do que o período necessário para a amortização do investimento realizado. Após
esse período, os custos da energia gerada compreend...
Leia mais...
Pietro Erber, do INEE: Considerações sobre o Novo Modelo do Setor Elétrico
O adiamento da alienação do controle acionário da União na Eletrobrás apresenta ao Governo a oportunidade de concentrar sua atenção na
definição do modelo do setor elétrico, no qual o papel dess...
Leia mais...
Osório, Saudades
Osório de Brito faleceu no dia 15 de maio, com 79 anos. Engenheiro eletricista formado pela Escola Nacional de Engenharia da Universidade do
Brasil, pós-graduado em engenharia econômica pela UFR...
Leia mais...