Jayme Buarque de Hollanda, do INEE: Você sabe o que é ancilar?
Jayme Buarque de Hollanda, para a Agência CanalEnergia, Mercado Livre
29/09/2006
Nos últimos tempos fiz um levantamento com dezenas de pessoas com razoável cultura para avaliar se alguém sabia o significado da palavra “ancilar”. Se o leitor souber, meus parabéns, pois entre meus entrevistados ninguém soube dar a resposta correta. Os poucos que se aproximaram de uma resposta trabalhavam no setor elétrico e, no lugar de um conceito, respondiam com exemplos: “ancilar é, por exemplo, .......” .
Minha curiosidade se prende à audiência pública sobre “serviços ancilares” que a Aneel está fazendo e eu fiquei me perguntando até que ponto o adjetivo empregado na legislação do setor elétrico (Lei 9.448/98) era geralmente conhecido e se alguma parcela do público que deveria se manifestar não estaria de fora.
O verbete ancilar segundo o Aurélio é “[do lat. ancillare.] Adj. 2 g. 1. Relativo a ou próprio da ancila 2. Auxiliar, subsidiário.”. Se eliminamos o primeiro sentido, pois “ancila” é sinônimo de escrava ou serva, resta o segundo sentido de “auxiliar” ou “subsidiário”. A palavra está em desuso há muito tempo. O que teria levado os autores da lei a usar a palavra desconhecida no lugar de, por exemplo, “serviços auxiliares”?
Minha explicação é que como o setor sempre contou com o apoio de consultores de língua inglesa, provavelmente o termo entrou na lei como um anglicismo para ficar parecido com a expressão “ancillary services”. Em inglês, “ancillary” não caiu em desuso e evoluiu para um sentido mais específico que segundo o Oxford Advanced Learner´s Dictionary seria “que dá o suporte necessário para o trabalho principal ou atividades de uma organização” (“providing necessary support to the main work or activities of an organization").
A intenção da lei, portanto, era explicitar serviços complementares e importantes para o funcionamento dos serviços básicos, vale dizer geração, transmissão, distribuição e comercialização. Em muitos casos os benefícios dos serviços ancilares são difusos no sistema como, por exemplo, a gestão de reservatórios, manutenção de máquinas como reserva para operarem em caso de falhas e a operação de geradores para atuarem como compensadores síncronos. Sem estes serviços, o sistema desperdiçaria energia, prejudicaria os padrões de atendimento e aumentaria custos. Quando o setor elétrico era verticalizado e gerido pelo governo, as soluções eram mais simples. Assim, boa parte dos custos de coordenação da operação do sistema hídrico (GCOIs) eram absorvidos pela Eletrobrás.
Com a privatização e a desverticalização dos serviços, no entanto, aumentou a complexidade e quantidade destes serviços e com isto, a necessidade de explicitá-los e estabelecer formas de remuneração. Por esta razão, e sobretudo dado o desconhecimento geral da semântica da palavra, teria sido fundamental que a Resolução da Aneel (265/03) iniciasse com um artigo clássico deste tipo de norma “Art. 1º - Para efeito da presente norma, entende-se por serviço ancilar (......)". Nada disso. A Aneel legislou na base do “por exemplo”, listando uma coleção de serviços e limitou sua abrangência aos segmentos de geração e transmissão.
O pior é que na revisão que propõe trata de algumas questões surgidas nos últimos anos, mas continua com o pecado original de não conceituar e de não examinar a contribuição e o papel de outros agentes e tipos de serviços ancilares potenciais. Com isto, inclusive, ignora olimpicamente o novo marco regulatório de 2004, que criou a figura da Geração Distribuída.
Ora, a razão de ser de uma agência reguladora como a Aneel decorre da necessidade de detalhar as normas considerando e buscando manter o espírito das leis e seus conceitos básicos como a modicidade tarifária, qualidade mínima, isonomia, presteza etc.. Os critérios de aplicação devem ser modificados com a evolução das tecnologias e necessidades dos agentes.
Vários problemas do sistema elétrico surgem perto das cargas e suas soluções são mais fáceis e baratas se providenciadas próximo a elas. Estes serviços já existem. Geradores próximos da carga (co-geradores de ponta ou emergência), por exemplo, quando operam em paralelo trabalham como compensador síncrono, melhorando o fator de potência da rede. Como um vizinho na situação oposta paga à distribuidora, nada mais natural que reconhecer o serviço ancilar e remunerar o gerador local que, na prática tem despesas a mais com combustível para ajudar a rede. Para a distribuidora, a solução local é mais econômica, pois o custo para corrigir o problema nas altas tensões se agrava com as perdas e outros problemas inerentes aos sistemas elétricos.
Geradores de emergência e/ou de ponta instalados junto aos consumidores comandados à distância podem operar dentro de uma lógica de mercado e atender algumas necessidades da rede com um custo muito inferior para obter o mesmo efeito com sistemas centralizados. As bases para a prestação deste serviço ancilar já começam a existir no Brasil onde os sistemas mais modernos de geração descentralizada são telecomandados a partir de uma central de onde são monitorados para manutenção e “despachados” para atender os clientes.
Gerida por comercializadores, estas mesas estariam plenamente capacitadas a interagir com as distribuidoras e com ações coordenadas de diversos geradores, prestar serviços ancilares locais tais como reduzir reativos, criar reservas locais de potência, ajudar a regular voltagem e freqüência e atuar em situações de “black start” (isolar o consumidor no caso de quedas do sistema para facilitar o religamento).
A bola está com a Aneel.
Jayme Buarque de Hollanda é diretor geral INEE (Instituto Nacional de Eficiência Energética)
17/10/2006
[Fonte: Agência Canal Energia]
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